O Ápice da Arquitetura:

O Reflexo da Fé em Pedra e Vidro

por Arthur Santos Cardoso



Assim como a arquitetura medieval era uma expressão direta da espiritualidade católica, a arquitetura moderna é o reflexo da mentalidade secular e materialista que domina o mundo contemporâneo...



A arquitetura medieval é, sem dúvida, um dos testemunhos mais eloquentes da fé de uma época em que o centro da vida era Deus. Durante o século XIII, essa expressão arquitetônica alcançou seu ápice, refletindo não apenas uma habilidade técnica extraordinária, mas um desejo profundo de transcender o mundo material e direcionar o homem ao divino. Esse período, marcado por figuras como São Tomás de Aquino e impulsionado pela espiritualidade católica, gerou obras que, mesmo hoje, são referências insuperáveis de beleza e elevação da alma.

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O século XIII é considerado por muitos historiadores, incluindo Daniel-Rops, como a "Idade de Ouro" da Cristandade. Foi um período de intensa atividade intelectual e espiritual, no qual a Igreja Católica não apenas governava as almas, mas também moldava o mundo físico à sua volta. A catedral medieval, em particular, é o símbolo máximo dessa influência. Estruturas como a Catedral de Chartres, a Catedral de Notre Dame de Paris e a Saint Chapelle, todas construídas ou completadas neste período, exemplificam a união da fé com a arte e a técnica.

Thomas Woods, em seu livro Como a Igreja Católica Construiu a Civilização Ocidental, argumenta que o impulso por trás dessas obras não era apenas o desejo de criar algo funcional, mas sim a busca pelo transcendente. A arquitetura gótica, com suas torres que parecem querer tocar o céu, suas abóbadas altíssimas e seus vitrais luminosos, foi concebida para elevar a alma a Deus. A luz, um dos elementos centrais dessa arquitetura, era uma metáfora da presença divina. Como São Tomás de Aquino ensina na Suma Teológica, a beleza sensível, especialmente quando reflete a ordem e a harmonia divinas, tem o poder de mover a alma a um amor mais profundo por Deus.

No entanto, a transição para os tempos modernos trouxe consigo uma mudança drástica, influenciada por correntes de pensamento materialistas que se afastaram do sagrado. Para compreender a queda da arquitetura é necessário entender a queda do ocidente, desde a Idade Média e do Nominalismo até o séc. XXI. É bem verdade que depois de Santo Tomás o mundo apenas decaiu. Com ele a arquitetura. Os materialistas não amam a matéria apenas, se não teriam amor por tão belas pedras que formam as catedrais, eles odeiam o imaterial, o espiritual. Por isso a vontade de destruir a arquitetura, pois sabem de fato que ela eleva alma a Deus. Quando uma pessoa entra em Chartres não há como não olhar para cima e dizer que há um Deus.

Ao contrário dos edifícios utilitários modernos, as catedrais góticas não tinham como única função abrigar os fiéis, mas de catequisar o povo. Basta olhar para as paredes das catedrais medievais e ver o Evangelho nela. Os vitrais coloridos, esculpidos em histórias e figuras de santos, permitiam que mesmo os analfabetos pudessem contemplar e aprender os mistérios da fé. As paredes das catedrais, esculpidas com imagens detalhadas da vida de Cristo, dos apóstolos e dos santos, eram uma pregação constante da doutrina.

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Como disse São Bruno Segni: "A partir da matéria grosseira, a luz divina é transmitida; quanto mais magnífica e luminosa for a obra de arte, mais o espírito será elevado à contemplação do divino." A catedral é a maior das obras de arte, nela está contida a escultura, a pintura, o trabalho em pedra e em vidro, em madeira e até mesmo em cera. As colunas enormes que sustentam o teto da nave mostram sobre o que está firmada e o que mantém de pé o ocidente, a história da Igreja, o Evangelho. Os vitrais que estão a uma altura inalcançável para nós mostram que não conseguimos alcançar a Deus, a luz d’Ele irradia sobre os fiéis na nave. Nave que por sua vez não é nada mais que a barca de São Pedro. E no centro de tudo, de toda arte, de toda luz, de toda a fé, está ele Jesus Cristo! Repousando no mais belo dos sacrários. Ah quanta dor passamos por ter removido ele do centro de nossas igrejas e colocado em uma simples lateral. Os homens que fizeram isso foram os mesmos que nos séculos XV e XVI entravam nas igrejas e as quebravam e incendiavam, malditos iconoclastas protestantes.

Foi então, a partir do século XVI, que a arquitetura, assim como muitas outras áreas do pensamento humano, começou a ser transformada por uma série de mudanças culturais e filosóficas que culminaram no abandono dos ideais espirituais da Idade Média. O Protestantismo trouxe consigo não apenas uma rejeição teológica à autoridade da Igreja, mas também um ataque direto aos símbolos do catolicismo. A destruição de imagens, o fechamento de mosteiros e a profanação de igrejas fizeram parte do movimento iconoclasta já citado, promovido pelos protestantes luteranos e calvinistas. Abrindo assim caminho para um novo tipo de arquitetura que privilegiava a funcionalidade em detrimento da beleza sacra.

Essa transição se intensificou com o advento da Revolução Industrial, que inaugurou uma era de racionalismo exacerbado. Os grandes centros urbanos que emergiram dessa nova era industrial, cidades horrorosas, com seus prédios de concreto e aço, refletem uma mentalidade que perdeu o contato com o transcendente. A utilidade tornou-se o principal critério para a construção, e as questões estéticas ou espirituais foram relegadas ao segundo plano. A função substituiu a forma. Função apenas de abrigar corpos que não pensam no divino. A maior das funções que possuía a arquitetura medieval foi destruída, a única realmente necessária além de abrigar Nosso Senhor, a de levar as almas à Deus.

Um dos críticos mais ferrenhos dessa mudança foi Jacques Maritain, que, assim como muitos outros pensadores da época, via no modernismo uma ruptura com a ordem natural das coisas. Para Maritain, a verdadeira arte, incluindo a arquitetura, deveria ser uma expressão da busca do homem por Deus. Quando a arte perde esse foco, ela se torna estéril e sem alma. Nesse sentido, a arquitetura moderna pode ser vista como uma manifestação concreta de uma sociedade que, influenciada por figuras como Marx, Nietzsche e Darwin, não mais busca a Deus, mas apenas a satisfação de suas necessidades materiais imediatas e fúteis.

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Assim como a arquitetura medieval era uma expressão direta da espiritualidade católica, a arquitetura moderna é o reflexo da mentalidade secular e materialista que domina o mundo contemporâneo. Daniel-Rops, ao discutir o impacto da secularização na cultura europeia, observa que, à medida que as sociedades ocidentais foram perdendo sua fé no transcendente, suas criações artísticas também perderam a capacidade de inspirar o sublime. Essa perda de sentido é visível nas grandes cidades modernas, com seus arranha-céus anônimos e suas estruturas impessoais. Diferentemente das catedrais, que eram construídas para durar e para serem um reflexo da eternidade, as construções modernas parecem temporárias, voltadas apenas para o presente e para o conforto material. No entanto, como recorda o Evangelho de São Mateus (6, 33), "Busquem, pois, em primeiro lugar o Reino de Deus e a sua justiça, e todas essas coisas serão acrescentadas a vocês". A verdadeira grandeza do homem não está em suas construções físicas, mas em sua busca pelo divino.

Se quisermos restaurar a sanidade em nossa arquitetura – e, por extensão, em nossa cultura – precisamos trazer de volta à nossa civilização os ideais e a fé do passado. Precisamos redescobrir o senso de beleza que não apenas agrada aos olhos, mas eleva a alma. A verdadeira civilização ocidental, aquela que foi construída sobre os fundamentos da fé católica, produziu suas maiores obras quando o homem estava em busca de algo maior do que si mesmo. A recuperação da arquitetura não é apenas uma questão de técnica ou design, mas de espiritualidade. Somente quando o homem moderno voltar a direcionar seus olhos para o Céu, poderá criar obras que verdadeiramente reflitam a glória de Deus e a dignidade da alma humana.


Arthur Santos Cardoso, 5 de Outubro de 2024.




Referências:

- Aquino, São Tomás de. Suma Teológica. Traduzido por Alexandre Corrêa. Edições Loyola, 2001.

- Maritain, Jacques. Arte e Escolástica. Traduzido por Felipe Aquila. É Realizações, 2012.

- Rops, Daniel. A Igreja das Catedrais e das Cruzadas. Traduzido por Vítor Lourenço. Quadrante, 1996.

- Suger, Abade. De Administratione: Sobre a Administração da Abadia de Saint-Denis. Traduzido por Paul James. Cambridge University Press, 2004.

- Woods, Thomas E. Como a Igreja Católica Construiu a Civilização Ocidental. Traduzido por Regina Caldas. Quadrante, 2008.